segunda-feira, novembro 20, 2006

VIII: queDAS (3ª parte)

Envolta em mais uma corrida interna perdia-se na raiva que há muito corria na sua cabeça, a qual limitava o seu tempo de vida. A causa de tais sentimentos era a nova madrasta. Por causa dela, aqui estava. Por causa dela, não podia ver a mãe mais do que aqueles breves momentos contados ao segundo na visita do fim-de-semana. De que chega todos esses fins-de-semana serem cheios de coisas diferentes preparadas milimetricamente durante todos os segundos, de todos os minutos, de todas as cento e vinte horas da semana de trabalho que a mãe tinha? Não chegam para Nada. Simplesmente não chegam, deveria ser todos os dias, deveria estar sempre com o pai e com a mãe. Ana parou nesse momento a sua cavalgada. Quase atropelava a senhora com os sacos que se atravessou no seu relvado. Bolas hoje estava mesmo muito trânsito! Olhou o céu. O azul apenas era travado por umas nuvens que abrigavam o voo tranquilo e contínuo de um grupo de andorinhas trazidas pelo sopro primaveril a este canto do Bairro. Ali, no chão rola um papel, ou melhor rebolava-se sobre si próprio numa cadência simples e repetitiva sempre diferente. Ana olhou e sorriu. Momentos como este duplicam o tempo vivido... O papel por fim parou e caiu.
Dona Maria abeirou-se do papel. Seria hoje que o iria ler. Não mais atrasaria o contacto com a notícia que a carta acarretaria. Como já se disse, estas dificuldades de enfrentar as novidades acabavam por chocar com a natureza simples e empreendedora que sempre caracterizaram esta mulher, mas a idade não perdoa e a vontade também não. Hoje seria o dia. Metodicamente abriu o envelope e do seu interior retirou a encíclica cuja leitura tanto retardara. Ao terminar a sua leitura o papel caiu de novo
A pequena Ana caiu envolvida pelos seus pensamentos de culpa e desejo por ver a mãe
Inês deixa cair o seu saco de compras perdendo de uma assentada o desejo de voltar a ter a rotina de sempre
Dionísio caíra em sono profundo.