quinta-feira, setembro 28, 2006

VI: Estômago cerebral...

"(...) as notícias quase sempre trágicas que alimentam esse estômago cerebral sedento das desgraças alheias (...)"
Atingido com três disparos após discutir com a vizinha
Uma mulher da freguesia de Tabuadelo, Guimarães, atingiu um vizinho com três tiros de pistola. O caso passou-se ontem de manhã, na Rua da Liberdade, alegadamente na sequência de conflitos antigos relacionados com uma casa. A vítima encontra-se internada no Hospital Senhora da Oliveira, onde foi operada.
Segundo apurou o JN, o indivíduo, de 31 anos, foi atingido na coluna cervical e numa vértebra, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica no hospital de Guimarães. O caso deu-se às 7.20 horas, na Rua da Liberdade, perto do campo de futebol de Tabuadelo. Residentes nas proximidades apontaram para o clima de conflito que existia entre os dois moradores. "Tudo começou a partir do momento em que ela lhe vendeu uma casa e um terreno em frente", disse um popular. Os confrontos seriam constantes, segundo a mesma fonte, e traduziam-se em diversos casos de agressões verbais e mesmo físicas. Ontem de manhã, quando ele passava na rua, a discussão recomeçou e terminou com tiros desferidos com uma pistola de calibre 6.35 mm, adaptada, que acabou apreendida pela Polícia Judiciária de Braga, que está a investigar o caso. A GNR de Guimarães esteve no local e tomou conta da ocorrência. A vítima foi conduzida ao hospital por familiares; a mulher também teve que receber assistência médica, tendo sido suturada com seis pontos na cabeça, alegadamente devido a agressões de que terá sido vítima por parte do vizinho. Ontem, foi ouvida na PJ de Braga e posteriormente conduzida ao tribunal local.

Joaquim Forte in Jornal de Notícias em 28/09/2006

segunda-feira, setembro 25, 2006

VI:Sentindo o crescimento

"As três idades da mulher" - Gustav Klimt

quinta-feira, setembro 21, 2006

VI:Brisa (2ªparte)

O homem está agora num restaurante. O ruído desorganizado, de várias dezenas de clientes a discursarem sobre tudo envolve-o: as aulas correm bem, ontem tive uma reunião com o chefe, amo-te, a 'vó 'tá pior, 'tou sim o papel que tens que trazer é o azul, para mim pode ser frango estufado, podia-me trazer a conta faz favor. Mas a sua atenção está apenas focada naquela mulher que está à sua frente, com a qual noutros tempos tinha estado em reciprocidade na praia. Agora ela diz-lhe que é o fim, as coisas já não são iguais, a novidade terminou. Tudo é mais simples se acabassem... O mundo desaba novamente como o caminhar já não fizesse sentido...

Escrevo rápido nervosamente já por várias vezes alterei o que primeiro tinha escrito risco uma e outra vez. Paro. Releio reescrevo tiro as meias palavras ponho outras preparo o instrumento que me levará ao mais baixo patamar dantesco ligo o aparelho de música. É tudo frenético impensado inimaginado desligado da realidade que até aqui vivi. Ponho a rodar a sétima sinfonia escrita pelo bonense. A música arranca. Chega ao segundo andamento. A cadência começa lentamente, lentamente, piano depois cresce, lentamente torna-se mais forte, toda a orquestra se vê envolvida depois da estafeta entre cordas e sopros, todo o ambiente está imerso, a sua cabeça ausenta-se, momentaneamente subiu patamares, quando regressa ao seu mundo o tema inicial já saiu e já voltou com nova face. A sua também está diferente, os olhos estão marianamente pacíficos. As coisas passam-se mais rápido, sacadicamente move a sua mão, acerta, pega no revólver encosta-o à sua fronte, encolhe o indicador direito. O segundo andamento terminou, o corpo caiu sobre o papel nervosamente escrito cujo peso era suportado por um outro, azul. O terceiro andamento começa. Ali, já só o ramo de gardénias brancas move-se ainda impulsionada pela brisa perene e omnipresente que recebe nos seus braços a nova realidade.

Foi um fim.
Um fim de dia. Ali no quarto, desfolha o jornal, as notícias quase sempre trágicas que alimentam esse estômago cerebral sedento das desgraças alheias, a novela dos amores e desamores que como começam acabam, as novas descobertas científicas que remudam as mudanças de destino que o anterior desconhecimento impunha, o concurso de fotos ganho por uma estranha imagem de uma praia semideserta com um casal, um pai e seu filho, um velho sentado e um carro próximo dele. Parou para pensar, em como a vida muda tão rápido, como o interior pode ser alterado num constante crescer assente no passado olhando o futuro, parou. A brisa fez entrar pela janela uma folha azul gasta pelo tempo. Levantou-se, pegou nela e leu:

Um fim
desejado
Alimentado em seu ser.

Num caminho
complexo,
feito em parceria,
com um vento perene e omnipresente.

segunda-feira, setembro 18, 2006

VI: Brisa (1ªparte)

No ar sente-se um cheiro constante, envolve sem prender. Ouve-se um embalar lento, ritmado, constante. O céu azul ponteado por pequenos farrapos de nuvens... continua-se a ouvir o ritmo, agora associado a uma brisa perene, omnipresente que nos afaga como uma mãe embala o filho. Ali no cimo da praia está um homem como tantos outros. Só, acompanhado, perdido achando-se...
Escreve lentamente, ao ritmo que o mar dá na sua cadência, afagado ainda pelo roar lento quase inaudível da omnipresença.
Levanta o seu olhar. No céu estão várias gaivotas rodopiando sobre si, nos seu contínuo afazer ditado pela sua natureza. Ao longe, um casal namora, talvez influenciado pela perenidade que a brisa conduz, ele revela agora a realidade do seu amor, e o homem que escreve volta novamente a sua atenção às suas folhas e ao seu lápis. A alguns metros dali, num carro, está só outro homem. Tem o olhar fechado, olhos verdes de profundidade mariana e pacífica de uma vida sofrida. A escrita prossegue... O papagaio caiu, a criança que praticava as façanhas drumondianas grita de desconsolo, o seu pai com toda a perenedidade e o ritmo que a idade lhe confere, volta a pôr no ar a frágil aeronave e acalma o filho... No papel algo ganha forma:

Um fim
que se procura,
um desejo
que se alimenta
num ser
que ainda não é

Um caminho
que se alarga
um peregrinar
que não se esgota
num descobrir
que cada dia tens uma nova face

O homem escreve. No papel azul estão apenas algumas palavras, que na sua simplicidade mudarão o rumo de uma vida. No ar propagado pelas ondas aéreas feitas pela estações climáticas vivaldianas escorre a chuva invernal.
Outro homem leu as palavras escritas. Nele o resultado foi imediato, como as primeiras enxurradas de Inverno, o seu mundo acabou com o diagnóstico ali sentenciado... Tudo aquilo que gostava de fazer acabará. Amavelmente, pediu para fechar a janela devido à brisa.

sexta-feira, setembro 15, 2006

VI: Sentidos!...

Na nossa vida cruzamo-nos e recebemos influências das mais pequenas coisas.
Por vezes, torna-se difícil captar todas elas, mas o crescimento e as diferentes idades que vivemos, pela experiência acumulada permite-nos ver tudo com outros olhos. de tudo sejamos capazes de tirar os seus sentidos, sejam eles mutáveis ou não pela nossa experiência.

"isso a que chamamos sentido não passará de um conjunto fugaz de imagens que num certo momento pareceram harmoniosas, ou onde a inteligência em pânico, tentou introduzir razão, ordem, coerência."
in Jangada de Pedra, de José Saramago

terça-feira, setembro 12, 2006

V: Mary Cristo

Já nasceu o Deus Menino
E as vaquinhas vão mugindo
Blim, blom
Blim, blom
Blim, blom, Nylon

Mary, Mary, Mary Cristo
Cristo, Cristo, Mary, Mary
Esta noite olham por nós
Anjos cantam de lá do céu

Carneirinho me dá lã, mé
Passarinhos de manhã, né
Cantam (assobio)
Tudo tão bom
Papai Noel momo do céu

Composição: Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown do álbum "Tribalistas"

segunda-feira, setembro 11, 2006

V: Caridade

Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos,
se não tivesse caridade
seria como sino ruidoso, seria como címbalo estridente.

Ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência
ainda que tivesse toda a fé, a ponto de mover montanhas,
se não tivesse caridade, nada seria.

Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos
Ainda que entregasse o meu corpo às chamas,
Se não tivesse caridade nada disso me adiantaria.

A caridade é paciente
A caridade é prestativa
Não é invejosa, não se ostenta,
Não se incha de orgulho.

Nada faz de inconveniente
Não procura os seu próprio interesse,
Não se irrita
Não guarda rancor.

Não se alegra com a injustiça
Mas regozija-se com a verdade.

Tudo desculpa, tudo crê,
Tudo espera, tudo suporta.

A caridade jamais passará.
As profecias desaparecerão,
As línguas cessarão,
A ciência também desaparecerá.

Pois o nosso conhecimento é limitado, Limitado é também a nossa profecia.


da 1ª Epístola aos Coríntios

quarta-feira, setembro 06, 2006

V: Mãe

Pieta, Paula Rego, 2002

domingo, setembro 03, 2006

V: Principezinho (2ªparte)

Ela manteve-se ali a seu lado. Todos os dias a antiga companhia com a ajuda da enfermagem surgia com as suas poucas novidades, o pessoal que se renovava, mas todos os dias a companhia deitada talvez sentisse os mesmos prazeres, mas sem um simples olhar, ou um pequeno brilho.
Ele todos os dias via, todos os dias observava, todos os dias queria compreender.
Até que numa das ligações à companhia constante de há sete anos, essas rotinas contínuas, inaugurada com uma enfermeira (como sempre…) olhou mais fixamente a vizinha num dos seus movimentos passivos. Ali compreendeu.
Seguiu-se o escorrer lento de uma lágrima actuando como a sua visão, só, simples, salgada, humilde como alguém que procura compreender o outro seguindo o sentido descendente oferecido pelos acidentes da vida. Agora banhado pelos salpicos da limpeza diluíram-se as lágrimas, concentrou-se o olhar. A rotina seguiu, o olhar ficou.
Na simplicidade da mesma esperou. Outros dias passaram. As mesmas luzes, os mesmos cheiros, uma nova alegria alimentada pela nova visão, cuja observação compreendera.
Até que numa visita inesperada, surgiu a oportunidade.
Aí comunicando sob a única forma que conhecia, confirmando o queria dizer com o simples sim e não do olhar, após ler o que escreviam no quadro à sua frente disse sequencialmente sim a um beijo, a outro beijo e pedia outro. Estupefacto o escritor, não compreendia esse súbito desejo de tantos beijos. Foi então que recebeu a tentativa do olhar chegar à vizinha. Nesse momento compreendeu para quem eram pedidos. Nesse momento os olhares viram, compreenderam e sorriram.