quinta-feira, novembro 30, 2006

VIII: Ruas

I was bruised and battered
And I couldn't tell what I felt
I was unrecognizable to myself
Saw my reflection in a window
I didn't know my own face

Oh brother are you gonna leave me wasting away
On the streets of Philadelphia

I walked the avenue till my legs felt like stone
I heard the voices of friends vanished and gone
At night I could hear the blood in my veins
Just as black and whispering as the rain
On the streets of Philadelphia

Ain't no angel gonna greet me
It's just you and I my friend
And my clothes don't fit me no more
I walked a thousand miles just to slip this skin

The night has fallen, I'm lyin' awake
I can feel myself fading away
So receive me brother with your faithless kiss
Or will we leave each other alone like this
On the streets of Philadelphia

Streets of Philadelphia de Bruce Springsteen do álbum Philadelphia Soundtrack 1994

segunda-feira, novembro 27, 2006

VIII: Largos

Antigamente o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e o vento farfalha num suave gemido, o pó redemoinha e cai sobre o chão do deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila. (…)
A Vila dividiu-se. Cada café tem a sua clientela própria, segundo a condição de vida. O Largo que era de todos, e onde apenas se sabia aquilo que a alguns interessava que se soubesse, morreu. Os homens sapararam-se de acordo com os interesses e necessidades. Ouvem telefonias, lêem os jornais e discutem. E. cada dia mais, sentem que alguma coisa está acontecendo.


Manuel da Fonseca, do conto “O Largo” em “O Fogo e as Cinzas” 1951

quinta-feira, novembro 23, 2006

VIII: Solidão citadina

segunda-feira, novembro 20, 2006

VIII: queDAS (3ª parte)

Envolta em mais uma corrida interna perdia-se na raiva que há muito corria na sua cabeça, a qual limitava o seu tempo de vida. A causa de tais sentimentos era a nova madrasta. Por causa dela, aqui estava. Por causa dela, não podia ver a mãe mais do que aqueles breves momentos contados ao segundo na visita do fim-de-semana. De que chega todos esses fins-de-semana serem cheios de coisas diferentes preparadas milimetricamente durante todos os segundos, de todos os minutos, de todas as cento e vinte horas da semana de trabalho que a mãe tinha? Não chegam para Nada. Simplesmente não chegam, deveria ser todos os dias, deveria estar sempre com o pai e com a mãe. Ana parou nesse momento a sua cavalgada. Quase atropelava a senhora com os sacos que se atravessou no seu relvado. Bolas hoje estava mesmo muito trânsito! Olhou o céu. O azul apenas era travado por umas nuvens que abrigavam o voo tranquilo e contínuo de um grupo de andorinhas trazidas pelo sopro primaveril a este canto do Bairro. Ali, no chão rola um papel, ou melhor rebolava-se sobre si próprio numa cadência simples e repetitiva sempre diferente. Ana olhou e sorriu. Momentos como este duplicam o tempo vivido... O papel por fim parou e caiu.
Dona Maria abeirou-se do papel. Seria hoje que o iria ler. Não mais atrasaria o contacto com a notícia que a carta acarretaria. Como já se disse, estas dificuldades de enfrentar as novidades acabavam por chocar com a natureza simples e empreendedora que sempre caracterizaram esta mulher, mas a idade não perdoa e a vontade também não. Hoje seria o dia. Metodicamente abriu o envelope e do seu interior retirou a encíclica cuja leitura tanto retardara. Ao terminar a sua leitura o papel caiu de novo
A pequena Ana caiu envolvida pelos seus pensamentos de culpa e desejo por ver a mãe
Inês deixa cair o seu saco de compras perdendo de uma assentada o desejo de voltar a ter a rotina de sempre
Dionísio caíra em sono profundo.

quinta-feira, novembro 16, 2006

VIII: queDAS (2ª parte)

O cheiro da relva cortada sempre lhe despertou nostalgia. Nostalgia dos tempos de outra casa, com os pais juntos, os almoços na mesa grande junto à lareira, as histórias do avô antes de ir para a cama. Agora eram novos tempos. A relva já não serve de tapete a um pomar cheio de sensações diferentes despertadas, pelo caminhar junto a cada árvore diferente. Os perfumes agora são outros, se pudemos chamar-lhe de perfumes. A cidade, com o seu crescer, com as suas necessidades egoístas transformou esses perfumes em odores descaracterizados e feridos de essências que quebram a mais insensível lâmina do crivador. Hoje, as coisas iam mal… no trabalho, os papéis amontoaram-se uns atrás dos outros, ou melhor, uns acima dos outros, arranhando o tecto com a sua altura. Inês não estava de facto a ter sorte com a vida. Parecia que os deuses no alto do Olimpo reunidos em conselho tinham começado o seu jogo, e ela sendo o joguete nem bafejada pela protecção de Afrodite tinha sido, ficando Dionísio com toda a vantagem de dispor dela a seu belo prazer, ou não fosse esse o seu maior desejo. E assim, ali estava Inês, dirigindo-se para casa depois de mais um dia de trabalho. A visita quase diária ao mercado da esquina já tinha sido feita. O empregado mais uma vez, na sua tentativa frustrada (mais uma vez) de conseguir estabelecer uma linha de conversa questionou pelo visionamento do filme do dia anterior, resignou-se à sua simples existência de passador de produtos pelo laser da máquina, talvez noutro dia tenha mais sorte, isto se Dionísio tiver ido visitar o heterónimo grego, Baco e tenha deixado Inês viver com olhos abertos para a sorte…
A sorte nem sempre é madrasta. Vendo bem as coisas, o problema é voltar as costas à sorte, como se fosse algo de prescindível, ou simplesmente inexistente na vida. Inês há muito que o tinha feito. Desde que se viu envolvida numa tempestade de sentimentos no seu mediterrâneo interno. Desde que descobriu que nem sempre a bonança surge depois do inferno da revolta. Desde então, vive como só existisse a sua realidade, com todas as suas revoltas, golpes e estabilizações. Fechada ao resto do mundo, impedia a entrada de barbaridades no seu império e impossibilitava a saída de toda a civilidade do seu coração.

segunda-feira, novembro 13, 2006

VIII: queDAS (1ª parte)

Levantou-se. Após terminar a sesta foi tempo de nova actividade num dia de rotinas há muito definidas. Antes de se sentar junto à janela, encheu um copo com água, e mais uma vez olhou para o envelope que tinha chegado no dia anterior. Ainda não era dessa que lhe pegava. Depois, calmamente, como que para não gastar todo o tempo do mundo, dirigiu-se para a cadeira colocada de forma milimétrica à frente da janela, para dessa forma assistir ao correr do mundo. No ar sente-se um cheiro a mofo, diria que o pouco uso dado a visitas desta sala resultou numa contínua perda de interesse no aprumo higiénico da mesma por parte da Dona Maria.
Antes de prosseguir, apresento-lhe a Dona Maria. Como já se deverá ter apercebido, Dona Maria, assim tratada com reverência por toda a vizinhança é uma das mais antigas moradoras do Bairro. Ninguém sabe à quanto tempo ela lá está, a não ser o velho papel do registo camarário, mas esse, bem esse não fala senão quando auscultado… No entanto ela sabe exactamente quando, de onde e digamos sem grande perda no que toca à realidade como chegaram até aqui todos os moradores do Bairro. A Dona Maria é assim, a avó do Bairro. Aquela a quem todos os petizes vêm pedir uma fatia de bolo quando do seu apartamento nasce um cheiro irresistível ao paladar infantil a tarte de maçã; aquela a quem todos os adultos vêm pedir concelhos, aquela que chegada à sua proveta idade não tem contemporâneos da sua infância para recordar velhas aventuras ou namoricos… Dona Maria, é apesar de tudo isso, uma mulher simples, marcada por uma vida dura e preenchida, que a moldaram lenta mas profundamente a sua forma obstinada de ser, mas já resignada ao resto que lhe resta desta sua viagem. Porém, voltemos ao importante: o que faz a Dona Maria?
Prepara o seu instrumento de diversão de todos os dias. Ali sentada, contempla como no primeiro dia uma das prendas de aniversário. O cheiro a nova mantém-se tal como nesse dia, que já parece tão longínquo, mas que não foi há mais do que uma semana, tem destas coisas a memória de uma menina, por vezes, o tempo é apenas aquele dos bons momentos, e se esses rareiam, tornam mais curto o tempo de vida, mas se abundam multiplicam-no. Ali, com o seu sorriso marcado pela falta dos dois incisivos do maxilar superior (resultado de uma das diversões recentes), inocente, descontraído, Ana, ganha impulso para mais uma vez subir no seu cavalo rompante e a pedal vergar todos os obstáculos que o parque do Bairro possa impor. Assim, avança determinada a que hoje seja ela a partir tudo o que lhe apareça, e não seja esse tudo a partir-lhe a determinação. Avança, num ritmo certo pelo passeio em direcção ao relvado.

quinta-feira, novembro 09, 2006

VIII: Cidades !...

Hoje a maioria da humanidade vive em cidades cada vez maiores, cada vez mais deumanizadas.
O desenraizamento é quase total. Num mundo em que estamos envolvidos por milhares de pessoas estamos cada vez mais isolados, mais mecanizados, mais egoístas.
Neste mundo sobrevive-se em vez de viver, e aquele que foi o sonho de um paraíso para todos aproxima-se cada vez mais do inferno de ficção científica descrito em filmes ou romances do passado.
Estamos a cair e estamos a ter consciência disso. Não será esse o primeiro passo para a inversão do rumo?



Fotogramas do filme de Fritz Lang Metropolis de 1927

segunda-feira, novembro 06, 2006

VII: Calor

Sentes o calor?
Sinto.
Olho o infinito,
Ali onde o horizonte acabou e um outro nasce.
Embondeiros, palmeiras, cactos
Verde plantado por um rio que serpenteia
Mundo grande e interminável
Aqui, belo para ti.

Sentes o calor?
Sinto.
Agora olha o infinito
Ali no fundo daquele olhar, que a ti responde.
dor, esperança, acolhimento
Verde plantado por uma fé maior
Mundo grande e interminável
Aqui, belo para ti.

quinta-feira, novembro 02, 2006

VII: Soberano

“O sol nascente indicou-lhe o caminho e reaqueceu-o do frio da noite. O homem recebe o calor na cara, como uma carícia particular. Sabe que, em breve, a carícia se tornará incómoda e, mais tarde, tortura. Por enquanto, porém, o sol é apenas o ser que fez afastar o frio e os terrores noturnos; é ainda bendito, para depois ser amaldiçoado e, quando desaparecido, ser desejado. Destino de qualquer soberano...”

Pepetela, escritor angolano