V: Principezinho (1ª parte)
Abriu os olhos. Ali estava, como sempre, o quarto. O tecto céu azul cortado por nuvens brancas. Por vezes, perdia-se no tempo, observando as várias figuras criadas pelas nuvens, imaginava assim, animais, flores, faces ou simples olhares que a sua mente conduzia. Era este o seu caleidoscópio mágico. Envolvendo-o paredes creme, de cor de todos os bolos que todos os dias em todas as refeições imaginava tomar. No meio dessa cor, espalhados todos aqueles desenhos de anteriores habitantes, a partir dos quais realizava filmes mais ou menos intermináveis, os quais seriam os seus desenhos. Este era o seu mundo, este era o seu principado, e como principezinho que se preze o seu maior desejo era receber companhia, ou ir aos outros principados ver quem os habitava deixando para trás a sua rosa branca isolada naquele canto do tecto.
Surpreendentemente, a rotina do dia não o foi. Surgiu ao seu lado uma nova companhia. Imediatamente a rotina foi reequilibrada e cresceu de forma esmagadora como só ela pode ser. Como sempre desde os últimos sete anos, chegariam as enfermeiras para o banharem, depois alimentarem e volta e meia para o moverem. Seria um dia como tantos outros. Surgiria com ele os pequenos movimentos que lhe dão alguma liberdade mas que não sentia, a água do banho ocupando todos os poros da pele mas cuja frescura só conhecia quando uma ou outra gota lhe salpicava a face, o gosto da comida a preencher-lhe as papilas gustativas e claro mais importante que tudo isso os sorrisos que receberia e aos quais respondia com um brilho pessoal e indescritível mas todo ele transmissível e passível de ser apreendido por todos quanto o rodeavam.
Todos menos a sua nova vizinha.